Todas as vezes que eu chego no Galeão, ou Aeroporto Internacional Tom Jobim – RIOgaleão (SBGL), e o vejo vazio, sinto uma dor no coração e uma tristeza imensa. Sempre tive um carinho enorme por esse que foi o aeroporto de origem da minha primeira viagem de avião e que me possibilitou uma das experiências mais incríveis da vida – atuar na equipe de Chegadas e Partidas dos Jogos Olímpicos Rio 2016.
O Galeão foi concedido à iniciativa privada em 2014 quando passou a ser operado por Changi Airports International, de Singapura, um dos maiores e mais competentes grupos operadores de aeroportos do mundo. A concessionária informou, em 2022, que devolveria o aeroporto para passar por novo processo de concessão, em função da crise. Entretanto, já manifestou esse ano o desejo de continuar a operação, desde que sejam feitos ajustes que cheguem a um modelo econômico viável e sustentável a longo prazo.
De acordo com matéria escrita pelo deputado Pedro Paulo no Jornal O Globo, lá em 2014 estimou-se erroneamente que haveria um crescimento do PIB na casa dos 44% entre 2013 e 2023. Acontece que, na realidade, esse crescimento foi de ínfimos 1,9%.
Esse cenário econômico aliado às gestões desastrosas do estado e da cidade do Rio de Janeiro, além da posterior pandemia de Covid-19 e ao abocanhamento dos voos pelo Santos Dumont são os fatores que levaram o Galeão à situação que está vivendo hoje.
Em 2012, o Galeão era o segundo aeroporto mais movimentado do Brasil, perdendo somente para o Aeroporto Internacional de Guarulhos (SBGR). Naquele ano mais de 17 milhões de passageiros passaram pelo aeroporto:
Quando olhamos para 2022 a realidade é bastante diferente. O SBGL apareceu como o 10o aeroporto mais movimentado do país, com pouco mais de 5,5 milhões de passageiros:
O que aconteceu com o Galeão?
Apesar de parecer que o Galeão tenha começado a perder passageiros e voos somente durante o período mais grave da pandemia, quando analisamos os dados percebemos que, desde 2013, o aeroporto não apresentou aumento do número de passageiros (com exceção do pequeno crescimento de 1,62% em 2017 e agora em 2022 diante da recuperação no pós-pandemia).
O Galeão possui infraestrutura com capacidade para processar 37 milhões de passageiros por ano. Todavia, em 2019, antes da pandemia, passaram por lá 13,5 milhões de pessoas, número bastante abaixo da capacidade do terminal.
Por outro lado, o Santos Dumont (SBRJ) tem capacidade aproximada para 9,9 milhões de passageiros por ano. Passaram por lá, em 2019, mais de 9 milhões de pessoas e, em 2022, foram quase 10,2 milhões – ou seja, número recorde que já extrapola a capacidade do terminal.
Fica nítido no gráfico acima que, desde o início da pandemia, o SBRJ tem tido movimentação bastante superior ao SBGL, ainda que o segundo tenha uma capacidade quase 4 vezes maior que o primeiro.
Sistema Multiaeroportos: SBGL + SBRJ
Entende-se por sistema multiaeroportos (SMA) o conjunto de aeroportos comerciais (pelo menos 2) que atendem ao tráfego aéreo de uma região metropolitana. O professor Richard de Neufville do Massachussets Institute of Technology (MIT) é um dos principais pesquisadores sobre o tema e, segundo ele, um SMA geralmente irá possuir um aeroporto primário e outro(s) secundário(s).
Para o autor, a existência de um SMA, ou seja, pelo menos 2 aeroportos em uma mesma região metropolitana, se justifica em regiões que movimentem mais de 17 milhões de passageiros por ano que tenham aquele ponto como origem. Passageiros em trânsito devem ser excluídos da conta, já que estes, certamente, preferem utilizar somente 1 aeroporto.
Se somarmos os números de passageiros que passaram pelo SBGL e pelo SBRJ em 2019 chegaremos a mais de 23 milhões, porém, os dados não informam quantos destes eram passageiros em trânsito. Apesar de não podermos afirmar, é provável que o tráfego de origem ultrapasse os 17 milhões propostos pelo pesquisador, o que justifica a existência dos dois aeroportos.
Um ponto importante, porém, é que De Neufville defende desde os seus estudos iniciais que os serviços aéreos sejam concentrados no aeroporto primário com a oferta sendo apenas complementada por meio de um ou mais aeroportos secundários. Muitos deles, inclusive, acabam sendo focados em companhias aéreas de baixo custo.
Na realidade carioca, é nítido que o SBGL seria um aeroporto primário, por vários motivos, tais como:
- O tamanho do aeroporto;
- A oferta de voos internacionais;
- A infraestrutura existente no lado ar que permite pousos e decolagens de aeronaves de todos os portes, inclusive o A380;
- Operações praticamente sem restrições durante todo o ano.
Por outro lado, o SBRJ deveria ser um aeroporto secundário, já que é um aeroporto com capacidade muito menor de passageiros e aeronaves, que não oferece voos internacionais e possui uma série de restrições operacionais por conta da sua localização, dimensões das pistas etc., não permitindo pousos e decolagens de aeronaves maiores que um Boeing 737, por exemplo.
Mas vamos ao problema: como mostrei no gráfico anterior, no caso da região metropolitana do Rio de Janeiro, houve uma inversão onde o SBRJ acabou assumindo a posição de aeroporto primário, enquanto o SBGL foi automaticamente transformado em aeroporto secundário.
Agora pense: o Galeão é um aeroporto internacional. Qualquer aeroporto internacional precisa manter uma boa conectividade doméstica para que os passageiros possam utilizá-lo como ponto de conexão para outras cidades do país. Na atualidade o que acontece é que muitos acabam precisando se deslocar até o Santos Dumont para pegar outro voo até o seu destino final ou, certamente, preferindo o Aeroporto de Guarulhos.
Por que isso aconteceu?
O Santos Dumont sempre foi o aeroporto queridinho de grande parte dos cariocas por conta, principalmente, da sua localização. Além disso, por ser um aeroporto menor, os processos de embarque e desembarque acabam sendo mais rápidos do que no RIOgaleão.
O transporte até o Galeão nunca foi bom, sem falar no risco de se passar pelas Linhas Vermelha e/ou Amarela para se chegar até o aeroporto. O Santos Dumont está no centro da cidade, com acesso super facilitado por táxi ou carros de aplicativo, além da linha de VLT que para na porta do aeroporto.
Com a pandemia, a concessionária do RIOgaleão não conseguiu retomar grande parte dos voos. As companhias aéreas alegavam que não poderiam perder os seus slots (horários de voos) no Santos Dumont e que o incremento dos voos seria feito no aeroporto preferido dos passageiros. O mesmo aconteceu com os voos internacionais, onde as empresas aéreas deram preferência por retomar os seus voos primeiramente pelo Aeroporto de Guarulhos por ser onde está a maior demanda. Pelo ponto de vista das empresas aéreas esse pensamento faz sentido, né?
Coordenação dos Voos
Em 2005, o antigo Departamento da Aviação Civil (DAC) instituiu a coordenação dos voos nos dois aeroportos. Na época foi instituído que o SBRJ ficaria restrito a voos regionais, aviação executiva, além da ponte aérea de/para o Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Todos os demais voos deveriam ser operados pelo SBGL.
Em 2009, a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) decidiu cancelar a coordenação nos aeroportos e liberou o SBRJ para operar voos de/para qualquer lugar. Se vocês voltarem no gráfico lá de cima, verão que durante o período de coordenação houve crescimento do RIOgaleão, enquanto o Santos Dumont operava com números bastante confortáveis.
Vale ressaltar que a gestão coordenada foi a solução encontrada para problemas em diversos sistemas multiaeroportos, como Dallas, Nova York, Londres, Paris e até em Belo Horizonte, onde o Aeroporto da Pampulha foi destinado somente para a aviação geral e executiva.
Como resolver o problema?
Na minha opinião, várias ações precisam ser realizadas a partir de um comprometimento que deve envolver a ANAC, a Prefeitura da cidade, o Governo do estado, Ministério do Turismo, Ministério de Portos e Aeroportos, Embratur e as concessionárias operadoras dos aeroportos:
- Coordenação dos voos de modo que garanta que o RIOgaleão volte a ser o aeroporto primário do SMA e que o Santos Dumont opere com restrições e dentro da sua capacidade.
- Renegociação do contrato de concessão do RIOgaleão para que a concessionária opere com viabilidade econômica e sustentabilidade a longo prazo.
- Concessão do Aeroporto Santos Dumont dentro dos moldes da gestão coordenada de voos por determinado período de tempo.
- Melhoria dos serviços de transporte e formas de acesso ao RIOgaleão com investimentos em mobilidade urbana (preferencialmente sobre trilhos), tornando o deslocamento dos passageiros mais seguro e rápido – isso poderia ser feito com a utilização das próprias outorgas da concessão dos dois aeroportos.
- Investimentos em segurança pública.
- Fortalecimento do turismo na cidade e no estado.
Como você pode perceber esse é um desafio enorme, mas que precisa ser encarado de frente por todos os agentes que, de alguma forma, se relacionam e podem se beneficiar do retorno dos voos ao RIOgaleão.
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